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Quanto custa prevenir desastres?
A engenharia rodeia nossas vidas todos os dias. As construções que habitamos, as ruas que percorremos com nossos carros e bicicletas, as pontes em que cruzamos rios, a rede de cabos que nos fornece eletricidade. Mas o que acontece quando há um terremoto?
As imagens que vem à nossa cabeça quando pensamos nas consequências urbanas de um desastre natural passam por prédios destruídos, postes caídos e até símbolos nacionais devastados.
Um exemplo desse cenário foi o terremoto de Porto Príncipe, no Haiti, em 2010. O sismo teve epicentro a cerca de 25km da capital Porto Príncipe e alcançou magnitude de 7,0 na Escala Ritcher. Neste evento, o maior desastre em áreas urbanas em décadas. Foram mais de 220 mil pessoas mortas e 330 mil feridas, além de 1,3 milhões de pessoas afetadas.
A primeira vista, “culpamos” o número de vítimas apenas pela ocorrência do terremoto. Contudo, o ativista Peter Haas, co-fundador do Grupo para Desenvolvimento Apropriado de Infraestrutura (AIDG) traz uma extensão a esse pensamento.
O que Peter Haas acredita?
Haas defende que o que causou tamanha destruição e perda no Haiti foi uma má engenharia – vidas foram perdidas porque os prédios caíram. Em suas palavras, “não foi um desastre natural. Foi um desastre de engenharia.”.
Uma das razões para o ativista acreditar neste ponto de vista foi um terremoto ocorrido no Chile, o qual alcançou uma magnitude de 8,8 – 500x mais poderoso do que o que atingiu Porto Príncipe! – e causou menos de 1000 mortes. Ainda, Haas afirma que, ao ajustar à densidade populacional dos dois locais, isso é menos do que 1% do impacto pelo terremoto do Haiti.
Haas co-fundou o AIDG em 2005, visando o acesso sustentável e econômico de comunidades em situação crítica à eletricidade, água limpa e saneamento através da educação e incentivos a novas empresas. O Grupo trabalha no Haiti desde 2007, principalmente no suporte a pequenas empresas e em trabalhos de engenharia.
Após o sismo, o AIDG, em conjunto com missões da ONU, ONGs e com o Ministério do Trabalho Público, trouxe engenheiros para avaliar as construções, tanto para reportar quais ainda estavam seguras tanto para analisar o motivo de tantos desabamentos. Foram inspecionadas mais de 1500 construções, desde residências e hospitais até armazéns e prédios governamentais.
A conclusão dos peritos foi clara. Todas as construções apresentavam as mesmas falhas ou inadequações:
- Paredes e andares mal presos às colunas
- Estruturas balançando
- Estruturas assimétricas, que balançaram até cair
- Material ruim
- Concreto insuficiente
- Compressão errada nos blocos
- Armaduras lisas
- Vigas com armaduras que foram expostas à umidade e enferrujaram.
Qual foi a diferença entre o Chile e o Haiti?
Haas afirma que a maior diferença entre a destruição dos países está no método construtivo utilizado. No Chile, notou-se o uso de “alvenaria confinada, onde o prédio age como um todo – paredes e colunas, tetos e lajes são conectados para suportar uns aos outros, em vez de quebrar em várias partes”, diz o ativista.
A solução?
Educação!
Conscientizar a população da necessidade de construir edifícios resilientes e como construí-los.
Treinar pedreiros e mestres de obra a construir da forma correta, sem atalhos ou “quebra galhos”, a corrigir os colegas que construam de forma inadequada e melhorar construções já existentes. Também, avaliar os materiais e técnicas construtivas a serem utilizados.
Como já sabemos, a prevenção é sempre menos dispendiosa que a recuperação, sem contar que, dessa maneira, podemos evitar perdas de vidas, que não podemos definir em valores financeiros. O ativista afirma que “ao invés de investir bilhões em gastos na reconstrução, você pode treinar, pelo custo de alguns dólares, pedreiros que irão construir de forma correta por toda a vida.”.
A AIDG e sua equipe pretendem alcançar de 30 mil a 40 mil pedreiros pelo país e criar um movimento de construção apropriada: usando alvenaria confinada, onde as paredes são presas juntas, e a construção é simétrica, aguentando terremotos. De acordo com Haas “quando o próximo terremoto ocorrer pode ser um desastre, mas não uma tragédia.”.
Controvérsia
Alguns profissionais criticam a atividade da AIDG. Essas pessoas defendem que, antes de tudo, é preciso que engenheiros criem guias e legislações a serem seguidos e que não basta apenas treinar pedreiros para seguir um único método construtivo.
Códigos e legislações são importantes, tanto para a parte legal, quanto para a garantia de uma construção bem feita. A estrutura e projeto de um edifício deve ser tratada por engenheiros que entendam dos cálculos e da complexidade da estrutura.
A resposta encontrada por Haas e sua equipe é eficiente, de baixo custo e alto impacto. Deve-se levar em consideração que existem pessoas desabrigadas e passando necessidades e que processos burocráticos podem retardar o bem estar de toda a comunidade.
Cabe acrescentar que mesmo com legislações e projetos assinados por engenheiros, o canteiro de obras nem sempre segue as metodologias corretas, muitas vezes por falta de conhecimento. O treinamento da população também é importante neste sentido. A população se beneficia com o conhecimento.
Para finalizar
Criar uma ética de construção entre os pedreiros talvez seja uma abordagem melhor, dada à necessidade imediata de garantir que as novas construções sejam edifícios mais seguros. O grupo de Haas está, antes de mais nada, promovendo o uso de materiais e técnicas adequados para a localidade, conceitos básicos que faltavam nas construções haitianas.
A elaboração de códigos de construção costumam levar anos de burocracia para serem discutidos e implementados e a população necessitava de uma resposta urgente. Ainda assim, a existência e cumprimento de legislações criadas e debatidas por profissionais da área é sempre relevante e importante e não deve ser esquecida.
Você pode conferir o material elaborado pela AIDG aqui.
Referências: TED Global 2010 – Peter Haas