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Agentes condicionantes e deflagradores de movimentos de massa – Atividade antrópica e urbanização

Continuando a série sobre agentes condicionantes e deflagradores de movimentos de massa, neste post será abordada a atividade antrópica e a urbanização. A introdução do tópico está na mesma postagem sobre o tema Vegetação.

Estudos realizados quanto à definição dos principais agentes condicionantes e que influenciam a deflagração de eventos relativos a movimentos de massa podem ser divididos em quatro grandes grupos de agentes condicionantes:

Agentes condicionantes: Atividade antrópica e urbanização

A atividade antrópica influencia negativamente a estabilidade de encostas através da mudança de geometria e declividade das encostas, inserção de sobrepeso pela construção de edificações e acúmulo de lixo, e alteração das características vegetais e de infiltração e resistência do solo. Além disso, o descalço de rochas e assentamento de habitações próximo a elas, além da presença de vazamentos de caixas d’água e águas servidas favorecem a desestabilização do maciço. Contudo, se elaboradas obras de contenção e drenagem pertinentes ao uso do respectivo local, é possível aumentar o coeficiente de segurança dos taludes. Tominaga et al. (2009) explicam isso ao afirmar que a ação humana pode ser vista como um agente modificador da dinâmica natural do relevo, influenciando tanto para favorecer ou minimizar a estabilidade de vertentes, e, consequentemente, na ocorrência de eventos.

De acordo com Oke (1980 apud Guerra e Cunha, 2001), a urbanização é o processo da conversão do meio físico natural para o assentamento humano, acompanhada de drásticas e irreversíveis mudanças do uso do solo.

As desigualdades e a exclusão sócioespaciais acontecem quando o crescimento urbano não recebe de forma equitativa o investimento em infraestrutura e em acesso aos serviços urbanos. Uma das consequências disso é a ocupação irregular de encostas com favelas e assentamentos precários. A população com menos recursos, para construir suas moradias e o acesso a elas, realiza a remoção da vegetação e execução de fundações, cortes e aterros com técnicas inadequadas e sem projetos técnicos. Além disso, pela falta de investimentos em infraestrutura e conscientização da comunidade, verifica-se a deposição de lixo e entulho e sistemas de esgoto e de drenagem ineficientes ou inexistentes. Soma-se a isso, ainda, a elevada densidade populacional, que altera a capacidade de suporte do solo, e a fragilidade das moradias, as quais acarretam no aumento da magnitude e da frequência dos eventos de movimentos de massa (BRASIL, 2006; GUERRA e CUNHA, 2001). Tominaga et al. (2009) sustentam que o aumento de eventos de movimentos de massa tem crescido em encostas urbanas devido à ocupação desordenada de áreas com alta suscetibilidade a escorregamentos.  Fernandes e Amaral (1996 apud Tominaga et al., 2009) vêm ao encontro desse pensamento ao defender que os escorregamentos em metrópoles brasileiras são induzidos por cortes para a construção de moradias e vias de acesso, desmatamento, atividades de mineração e lançamento de águas servidas e de lixo. Pode-se acrescentar, ainda, a declaração de Parizzi (2011), que explica que a retirada de horizontes superficiais de solo, os quais apresentam maior resistência e menor erodibilidade, contribui consideravelmente para os escorregamentos. Esse tipo de solo é usualmente retirado visando a execução de cortes e aterros, e o descarte dessa terra é depositado juntamente com lixo, aumentando o sobrepeso dos taludes e, por vezes, servindo como solo de fundação inadequado para a construção residências.

APPs sem controle por parte dos responsáveis da terra e do Governo também se tornam locais propícios para a ocupação irregular e ilegal. A presença humana nesses locais acaba influenciando a ocorrência de desastres. Atualmente, de acordo com o atual Código Florestal, Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 (BRASIL, 2012), o Artigo 2º descreve, para o interesse deste trabalho, APPs como:

  • Encostas ou partes destas, com declividade superior a 45º, equivalente a 100% na linha de maior declive;
  • As áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 metros;
  • No topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação e
  • As áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação.

O Artigo 6º inclui, ainda, como APP, quando declaradas de interesse social, áreas de floresta ou demais formas de vegetação natural que assegurem condição de bem-estar público, contenham a erosão do solo e mitiguem riscos de enchentes e deslizamentos de terra e rocha. Essas APPs contribuem para a manutenção da cobertura vegetal natural das encostas, permitindo a infiltração de água em lençóis freáticos e reduzindo a ocorrência de enxurradas e deslizamentos.

O poder público, tanto a nível federal, estadual ou municipal, de acordo com o Artigo 70º do Código Florestal têm o poder de proibir ou limitar o corte de espécies e declarar a qualquer árvore imunidade de corte (seja pela sua localização, beleza ou condição de porta-sementes). Outra saída para desestimular a ocupação de áreas de APP poderia ser a implantação de parques e áreas de uso público.

Diversos estudos foram realizados visando identificar a localização espacial de movimentos de massa e sua relação com a atividade urbana. Nunes et al. (1990) e Nakazawa e Cerri (1990), ambos citados por Tominaga et al. (2009), avaliaram o desastre de Petrópolis (Rio de Janeiro) de 1988, o qual culminou em 171 mortes. Os autores concluíram que mais de 90% dos escorregamentos foram induzidos pela ocupação desordenada das encostas do município. Ainda, Fernandes et al. (1999 apud Tominaga et al., 2009), ao estudar a ocupação de áreas edificadas do Maciço da Tijuca (Rio de Janeiro), assentam que aproximadamente 50% dos 242 escorregamentos registrados no maciço ocorreram em favelas, as quais representam  4,6% da área total do maciço. De acordo com os autores, este fato está ligado ao aumento de intervenções com cortes para a construção de moradias precárias em encostas íngremes no sopé de afloramentos rochosos. No cenário internacional, na região norte de Lisboa (Portugal), Zêzere et al. (1999), concluíram que  484 dos 597 escorregamentos ocorridos, aproximadamente 81%, ocorreram devido à interferência humana direta (desmatamentos, estradas, cultivos) ou indireta (áreas de regeneração), sendo que 20% dos escorregamentos foram induzidos pelos cortes de encostas para a construção de casas e estradas.

Um estudo recente de Mendes et al. (2018), buscou entender a influência antrópica nos deslizamentos rasos no evento ocorrido em 2000, no município de Campos do Jordão (São Paulo). O artigo explica que o acumulado pluviométrico que deflagrou o evento foi muito menor que os limiares críticos previamente estudados para a região, impedindo a evacuação preventiva da área e resultando na atualização dos valores críticos para o acumulado de 72h na localidade. A metodologia do estudo foca em separar condições de contorno para as influências naturais e antrópicas através da avaliação do coeficiente de segurança de modelos que considerem os efeitos (1) apenas da precipitação, (2) da precipitação e cortes na encosta, (3) precipitação, cortes na encosta e vazamento de tubulações e (4) precipitação, cortes na encosta, vazamento de tubulações e sobrecarga pela presença de edificações. Os modelos foram testados em três geometrias de encostas e condições de contorno diferentes. Os resultados foram bem claros e o estudo concluiu que o evento de 2000 não pode ser atribuído única e exclusivamente aos eventos pluviométricos registrados, por mais significantes que estes sejam. A redução do fator de segurança foi muito mais intensa nos cenários que levaram em conta, além da chuva, a influência da ação antrópica. Assim, pode-se afirmar que a presença de cortes nas encostas, combinada com a construção de edificações e vazamentos, contribuem significativamente na deflagração de deslizamentos em encostas íngremes e densamente povoadas ao redor de áreas urbanas.

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