O deslizamento que aconteceu na quarta-feira, 11/03/2020, na Baixada Santista (SP) e deixou pelo menos 40 mortos é um exemplo de que não adianta ter uma tecnologia, como a de obter dados com sensores, se não entendemos o porquê dela nem como a utilizar.
O que aconteceu na Baixada Santista
O mês de fevereiro foi um mês de chuvas excessivas na região. O valor total de precipitação esperado para o período era de 300mm mas o valor acumulado foi de 900mm.
O resultado disso foi o deslizamento que matou 40 pessoas e deixou 34 desaparecidas – até o momento.
Dados com sensores
O Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) instalou na região sensores de umidade do solo, os quais indicam a quantidade de água presente no solo. A iniciativa faz parte de um projeto piloto que está em fase de observação.
A água é um elemento que influencia diretamente as propriedades do solo, deixando-o mais frágil e pesado, de forma que os grãos do solo “descolem”. Quando esse solo está inclinado, no caso das encostas, o solo perde a estabilidade e incita a ocorrência de deslizamentos.
Devido à grande quantidade de chuva que caiu na área durante o mês precedente ao evento e ao conhecimento das propriedades do solo, podemos entender a importância de um sensor desse tipo.
Sabendo qual o limiar crítico de umidade do solo para a ocorrência de um deslizamento, podemos controlar o valor da umidade a partir desses sensores e, a medida que recebemos um novo valor de umidade, definir estratégias e desencadear ações para prevenir a população e evitar uma tragédia.
Umidade no solo
De acordo com a matéria do G1, a umidade do solo em Guarujá já alcançava o valor de 47.16% nos dias anteriores ao deslizamento, de acordo com os dados com sensores.
O risco de deslizamento já é provável quando o solo atinge 50% de umidade, e alcança o estado de saturação.
A precipitação no mês anterior foi 3x maior que a esperada.
Os dados dos sensores já gritavam a iminência de um desastre. Estava tudo lá, mas não havia ninguém para dizer o que fazer ou quando fazer.
Comunicação
Ainda segundo a matéria do G1, o Cemaden afirma que no dia 28 de fevereiro enviou um alerta dos dados dos sensores ao Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad) sobre riscos geo-hidrológicos previstos para os dias seguintes. Em teoria, o Cenad retransmite as informações para os órgãos estaduais e municipais de Defesa Civil.
Já o Cenad disse que enviou em 1º de março uma sequência de alertas específicos às coordenações municipais e estadual de Defesa Civil sobre os riscos decorrentes das chuvas intensas. Os avisos também chegaram à população cadastrada para receber os alertas via SMS.
A Prefeitura de Guarujá, cidade que mais sofreu com os deslizamentos, “negou que o Cemaden tenha feito um alerta sobre a necessidade de evacuar a população ou sobre outro incidente que pudesse ser ocasionado por essa saturação de solo”.
Já a Prefeitura de Santos recebeu alertas com dados dos sensores sobre informações dos pluviômetros locais, e nenhuma informação sobre a umidade do solo. A cidade também tem um Plano de Preventivo de Defesa Civil e desde o dia 1º de março estava em estado de Atenção (posteriormente Alerta), além de realizar vistorias e remover famílias preventivamente de algumas áreas.
A Prefeitura de São Vicente também diz ter recebido os alertas do Cemaden e manteve profissionais de prontidão já no dia 1º.
No caso de Guarujá, a comunicação entre órgãos foi realizada mas as informações passadas acabaram por não condizer com a realidade gravíssima que a região vivia.
Se havia conhecimento da pluviometria e umidade do solo porquê, mesmo ainda sendo um projeto piloto, essas informações não foram repassadas com a devida clareza e objetividade? Onde esses dados dos sensores se perderam? Quem seria o responsável por coletá-los, interpretá-los e repassá-los?
Mas era apenas um projeto piloto…
É certo que um projeto desse porte e responsabilidade deve ser validado antes de ter seus resultados prontos para uso, em especial quando lidamos com o deslocamento de famílias de suas casas e todo o alarde envolvido.
Também temos que ter em mente que ferramentas como sensores podem descalibrar ao longo de sua utilização, indicando resultados errôneos.
Mas, levando em conta o tempo em que os sensores estavam instalados, a quantidade de chuva que caiu no mês anterior e as consequências de saber se o equipamento exibia um resultado condizente (se estivesse correto, chances reais de deslizamento; se estivesse errado, definir diretrizes para a correção), não deveria haver alguém responsável por averiguar e comunicar as informações dos dados dos sensores?
Um dos objetivos de um projeto piloto não é avaliar a exatidão e precisão de um sistema?
Plano de contingência e evacuação
A Defesa Civil do Estado de São Paulo defende que as ações de contingência e evacuação são de responsabilidade dos municípios e que eles poderiam, “eventualmente”, solicitar apoio ao Estado.
Como vimos anteriormente, a cidade de Santos seguiu a Plano Preventivo próprio, incluindo a remoção de famílias em áreas de maior risco. Esse é um excelente exemplo do funcionamento desse tipo de alertas. Quando se há um plano de ação bem definido as tarefas são executadas.
Se as informações chegassem à Prefeitura e Defesa Civil de Guarujá, estes estariam aptos a prestar o socorro necessário à sua população? Havia algum plano traçado?
Desinformação
Segundo o secretário-adjunto de Defesa e Convivência Social do município, Carlos Eduardo Smicelato, a saturação do solo “não é um elemento primordial” na análise da necessidade de evacuação de áreas de risco.
“O primordial é o volume de chuvas que, nos últimos três dias que antecederam os deslizamentos, tinha sido muito pequeno, ou seja, em torno de 30 a 35 mm. O volume de chuvas é o principal critério que adotamos para fazer a remoção e alertas junto à população”, disse o secretário.
Dizer que a saturação do solo não é um “elemento primordial” na hora de avaliar a possibilidade de um deslizamento é incoerente. A quantidade de água no solo é determinante para entendermos o comportamento do solo e pode sim alterar suas características físicas. Além disso, cada solo se comporta de uma maneira e pode suportar mais ou menos saturação.
Quando avaliamos ainda a inclinação da encosta, esse valor também pode variar para ocorrer a deflagração de um movimento.
É fato que o principal indicador para avaliarmos a chance de deslizamento são as chuvas antecedentes ao evento. Contudo, atenção: não basta olhar apenas para os 3 dias antes! O mês anterior inteiro havia sido de chuvas mais intensas do que o esperado, o solo ainda acumulava água de muitos dias anteriores! Ele não estava em condições secas quando recebeu essa chuva dos 3 dias anteriores.
E sim, pode haver deslizamentos em dias em que não houve chuvas, dependendo do histórico pluviométrico anterior e de outras condições do terreno, da mesma forma que pode haver deslizamento quando ocorre uma chuva extremamente intensa em um curto espaço de tempo.
O que você pode ter certeza é que a condição do solo antes dessa chuva intensa – se estava seco ou úmido – vai sim ser fator de extrema influência, e essa informação pode vir da obtenção de dados com sensores
Mais que isso, a ocupação do solo também pode influenciar na deflagração dos fenômenos. Vazamentos de canalizações e caixas d’água, por exemplo, também são determinantes na hora de ocorrer um deslizamento pois deixam o solo úmido!
Em tempo, muitas vezes nas encostas, geralmente devido às construções irregulares e sem planejamento, o solo encontra-se misturado com outros materiais e lixo o que altera ainda mais a resistência do solo.
O que podemos concluir disso tudo…
Conhecimento salva vidas.
Não adianta apenas termos informações. Essas precisam virar conhecimento e esse conhecimento transformar-se em ações. Ações imediatas e responsáveis. Ações que levam em conta que a vida de cada pessoa é única. Que os moradores humildes das encostas não levam uma vida fácil e demorarão muito tempo a se recuperar.
A ocupação em encostas é um tema muito complexo. Não é apenas uma questão de retirar ou não as pessoas de locais de risco, ou de emitir um alerta de evacuação na hora certa, mas, enquanto buscamos para uma solução efetiva temos a obrigação de, ao menos, informar quem está em situação de risco.
Não podemos propagar desinformação. Temos que educar e aumentar a percepção de risco para que o indivíduo também seja participante ativo na sua proteção e sua comunidade.
Comunicar parece simples, mas não é. É preciso ser claro, dar prioridades, definir responsáveis e deixar clara a seriedade e urgência da situação.
Novamente, tocamos no ponto da importância do planejamento. Saber quando agir, como agir, com quem falar, onde buscar informações… Na gestão de riscos é crucial ter planos bem elaborados e de conhecimento de todos os envolvidos.